Não à morte do quarteirão Camões-Caldeiroa

Este blogue foi criado após deliberação na 1ª Assembleia Popular da Caldeirôa para a real protecção do quarteirão Camões-Caldeirôa, em Guimarães.

domingo, 30 de abril de 2017

Último dia da exposição de Catarina Real n'O Sol Aceita a Pele Para Ficar

No último dia da exposição encontro dobrado em três: sentido, uma densidade mais leve que o ar / estar público durante um tempo / círculo entrópico, de Catarina Real, n'O Sol Aceita A Pele Para Ficar, situado na travessa da Caldeiroa (lugar do Olival), em Guimarães.
A exposição esteve aberta de 23.03 a 22.04.2017.



Texto da exposição escrito por Filipa Araújo:
"Foi numa tórrida tarde de Julho que a Catarina Real entrou pela primeira vez n’ O Sol Aceita A Pele Para Ficar. O pretexto foi ver uma exposição de um amigo e, talvez tenha sido ali, naquele momento preciso, que as sementes para esta exposição/conversa tenham sido lançadas.
A longa conversa que se seguiu é a pedra basilar deste encontro dobrado em três: sentido, uma densidade mais leve que o ar / estar público durante um tempo / círculo entrópico, na medida em que a artista/escritora pretende abrir este espaço e entabular uma conversa com os seres que a visitam: seres plantas, seres animais e seres humanos. No entanto, o que podemos esperar dessa conversa? Falaremos de arte, de poesia, ou melhor de literatura? Ou discutiremos o nosso quotidiano? Podemos, simplesmente, não falar!
A artista/escritora convoca na sua escrita a presença de Llansol, Lispector e Hatherly, destarte apresenta-se, primeiro e acima de tudo, como leitora ou legente. O que nos leva a questionar este encontro dobrado em três e reflectir sobre a razão que nos leva a escrever, criar e, em última análise, a falar. O que é que temos para dizer? Comunicar? Nas palavras de Virginia Wolf, a comunicação é “uma riqueza; (…) é a verdade (…) a felicidade. E partilhá-la é o nosso dever… Se formos ignorantes para afirmá-lo.”
Então, como respondemos à dúvida holdernina: para que servem os poetas em tempos de indigência? Podemos replicar que a escrita é um mecanismo de sobrevivência, porém os mais fortes talvez se encerrem num palácio de silêncio.
Estamos, pois, convocados para um encontro ao acaso, talvez de todo o trajecto, um roubo de caminho com a Catarina Real, que nos oferece e pede a sua e nossa atenção, que é não mais do que a forma mais pura e rara de generosidade."


Aqui vai a ligação do site, onde podem encontrar registo de mais exposições: http://www.osolaceitaapeleparaficar.com/index.html
Publicada por Assembleia Popular da Caldeirôa à(s) 18:45
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Etiquetas: catarina real, circulo entrópico, lugar do olival, o sol aceita a pele para ficar

domingo, 23 de abril de 2017

Discussão pública, por José Cunha

Em notícia recente, leio, com agrado, que a Câmara de Guimarães vai disponibilizar o projeto da nova centralidade da vila das Taipas para consulta pública. Não é a prática corrente deste executivo, mas é a prova de que havendo vontade, a consulta e a discussão pública de planos e projetos podem ser devidamente anunciadas, e efetivamente acessíveis aos vimaranenses.

Em Maio do ano passado ficamos a saber que Guimarães tem um Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PEDU), descrito pela Câmara como “um guião de atuação no território vimaranense para os próximos anos.”. Na altura, escrevi um artigo (PEDU – Uma visão estratégica?) a manifestar a minha indignação pelo facto de nem os cidadãos, nem a oposição (tanto quanto sei) terem sido chamados a colaborar na elaboração de tão importante estratégia.

O PEDU é o requisito e instrumento para aceder aos fundos do Portugal 2020 para a mobilidade sustentável, reabilitação urbana e habitação social, tendo Guimarães já garantido 18,5 M de euros de financiamento para aplicar em projetos dessas temáticas.

O Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU) estabelece que devem ser delimitadas Áreas de Reabilitação Urbana (ARU) e definidas as respetivas Operações de Reabilitação Urbana (ORU). Das 14 ARU`s que já estão delimitadas em Guimarães, apenas a do “Centro da Cidade” tem a ORU aprovada. Uma ORU sistemática (como é o caso desta), não é um qualquer documento, pois a sua aprovação constitui causa de utilidade pública para efeitos da expropriação (prerrogativa já utilizada) ou da venda forçada de imóveis, e pela sua importância o RJRU equipara essa operação, para efeitos de discussão pública, aos planos de pormenor, fixando um mínimo de 22 dias para que os cidadãos a possam consultar e apresentar sugestões.

Pasmem-se (ou não) a ORU do Centro da Cidade esteve em discussão pública!

Aprovada em reunião de Câmara no final de Julho, esteve em discussão pública todo o mês de Agosto. É certo que não teve direito a notícia na página eletrónica do município (ainda agora, depois de aprovada não se encontra lá), não teve direito a publicação no facebook nem a comunicado de imprensa, e não consta que o projeto tenha estado disponível para consulta no Guarda Sol ou no Enseada na Póvoa do Varzim. Teve apenas direito aos serviços mínimos, com edital publicado num jornal local em letra minúscula.

É por demais evidente, que quem coloca, sem qualquer anúncio notório, tão importante documento em discussão pública durante o mês de Agosto, não tem qualquer interesse em que esta seja participada. O objetivo só pode ter sido evitar a discussão. Porque será?

O projeto do parque de estacionamento de Camões, que faz parte dessa ORU, é contestado pela Assembleia Popular da Caldeiroa e por algumas figuras públicas da cidade, como é o caso de António Amaro das Neves, que escreveu no seu blogue “…e isto na ausência do debate público que um projecto com tal natureza e dimensão impõe. Confesso que não estava habituado a que, em Guimarães, as coisas funcionassem assim.”

Lamentando a seletividade no cumprimento das suas promessas, relembro o compromisso assumido pelo Presidente da Câmara Municipal na sua tomada de posse: “promover abertamente a discussão, partilhar as decisões com os cidadãos e implicá-los na sua realização. Governar com todos e para todos”.

Tal como eu, existe quem (creio que alguns com receio de o assumir) se recuse a habituar a que as coisas funcionem assim, pelo que não tenham qualquer dúvida de que a discussão pública do projeto para o parque de estacionamento de Camões será feita, independentemente das conveniências políticas.

Artigo publicado Quinta-feira, dia 20 de Abril, de 2017, na revista Reflexo Digital, pelo ambientlista José Cunha.

(publicámos este artigo com a autorização do autor)
Publicada por Assembleia Popular da Caldeirôa à(s) 23:44
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Etiquetas: agosto, discussão pública, parque de estacionamento Camões-Caldeiroa

quinta-feira, 20 de abril de 2017

6ª Assembleia Popular da Caldeiroa

A 6ª Assembleia Popular da Caldeiroa vai decorrer no próximo Sábado, dia 22 de Abril, às 16:00, na travessa da Caldeiroa (lugar do Olival). A assembleia é aberta a toda a comunidade. A participação é gratuita e a participação voluntária.


Enviamos a seguinte carta a todos moradores das ruas D. João I, Dr. Bento Cardoso, Camões, Liberdade e Caldeiroa:

Caro morador e/ou cara moradora,

Motivados por preocupações de saúde pública e de qualidade de vida, motivados, também, pela protecção do património arqueológico industrial e ecológico, vimos por este meio apresentar o que consideramos ser um crime contra as pessoas, que trocadas por um parque de estacionamento, terão de suportar o aumento do trânsito nas ruas D. João I, Dr. Bento Cardoso (Dominicas), Liberdade, Camões e Caldeiroa e o que de prejudicial daí advém.

Neste momento, o executivo camarário, sem ter em conta os moradores, planeia construir um parque de estacionamento para mais de 500 automóveis, que ocupará mais de metade da área do interior do quarteirão delimitado pelas ruas Camões, Caldeiroa e Liberdade. Como os carros não chegam ao interior deste quarteirão pelo ar ou por túneis subterrâneos, estes terão de atravessar várias ruas até chegarem ao parque de estacionamento.

Sem saber pormenores sobre o projecto do parque de estacionamento, vários proprietários fizeram enormes esforços financeiros na requalificação para valorização do seu património com perspectivas de tirar rendimentos no futuro (quer pela venda, quer pelo arrendamento).

O aumento de trânsito automóvel nas várias ruas de acesso ao parque vai, certamente, pôr em causa a saúde pública, quer pelos gases libertados, quer pelos maus cheiros e quer pela trepidação sentida. Também se sabe que o restauro e recuperação dos edifícios no Centro Histórico obedecem a normas que são inconciliáveis (isolamentos e caixilharias) com vias de circulação automóvel permanente.

Segundo informações da Câmara Municipal, uma das entradas do parque de estacionamento é pela Travessa de Camões, logo, os automóveis para lá chegarem terão de percorrer as ruas da Liberdade e de Camões, num dos casos, ou percorrer as ruas D. João I, Dr. Bento Cardoso (Dominicas) e de Camões.

As casas que terão o parque de estacionamento nas traseiras ficarão com uma “fábrica” de produção de monóxido de carbono. A exposição visual a partir dos miradouros na cobertura do edifício trará perda de privacidade e potenciará a insegurança nos pátios e traseiras dos edifícios. O parque funcionará 24h/dia e, com isso, o barulho e a iluminação serão permanentes. O parque será constituído por vários pisos subterrâneos e outros à superfície, e para a sua construção será necessário o movimento de terras massivo, rebentamentos de granito e consequente circulação de camiões de grande porte, aumentando a degradação dos edifícios circundantes.

Quem quer morar ou comprar casa nestas ruas, nestas condições?

No entanto, actualmente, o interior do quarteirão Camões-Caldeiroa-Liberdade é constituído pela riqueza ecológica com as várias linhas de água subterrâneas, com as hortas e quintais, alguns deles, com árvores de grande porte, como uma palmeira com cerca de 200 anos; e pela riqueza do património arqueológico da indústria de curtimento de peles, que em prolongamento da zona de Couros, tem grande valor cultural para o Centro Histórico. Assim, contamos com a vossa presença para apresentarem a vossa opinião sobre o quarteirão e qual a vossa proposta para o melhoramento do mesmo.

As vantagens da não construção do parque de estacionamento são muitas e vão ser discutidas no próximo Sábado, dia 22 de Abril, às 16:00, na 6ª Assembleia Popular da Caldeiroa, a decorrer na travessa da Caldeiroa (lugar do Olival).

Contamos com a sua presença.

Cordialmente,


Assembleia Popular da Caldeiroa
Publicada por Assembleia Popular da Caldeirôa à(s) 00:59
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Etiquetas: 6ª assembleia popular de caldeiroa

Para uma nova visão da cidade

A visão que temos sobre a sustentabilidade está directamente relacionada com a forma como interagimos com o planeta Terra, o organismo vivo onde todos nascemos e habitamos.

Quando há respeito pelo planeta e agimos de acordo, o ecossistema mantém-se equilibrado, e nunca se colocam questões como a falta de recursos naturais para a nossa futura sobrevivência.

Tradicionalmente o respeito era exercido de forma natural, pois as pessoas consideravam-se parte integrante da natureza; o debate sobre a sustentabilidade é recente e surge quando o indivíduo se emancipou, sobrepondo-se em relação ao todo.

Na área do urbanismo, muitos estudos têm sido feitos com o intuito de diminuir o impacto das construções no meio ambiente e no ecossistema. O estudo dos terrenos e das suas características telúricas, geomagnéticas, meteorológicas e geológicas antes de iniciar qualquer construção é importante para a sua localização e implantação. Sem um prévio estudo das características essenciais do terreno, a abertura de cavidades no subsolo, para a construção de auto-estradas, túneis ou parques de estacionamento, poderá implicar a desvitalização dos locais, ao cortar as suas linhas energéticas vitais, que podem ser comparadas às artérias do nosso corpo.

Em Portugal nos anos 40 e 50, o poder político consultou o Padre Jesuíta Abel Guerra - que viveu em Guimarães, enquanto reitor da Companhia de Jesus instalada, entre 1937 e 1951 no Mosteiro de Santa Marinha da Costa – para a construção de barragens. Em toda a sua vida, o padre Abel Guerra, foi ainda responsável pela marcação de termas e de cerca de 260 000 poços, a maioria no norte de Portugal.

O Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra e a Faculdade de Engenharia do Porto assim como as principais faculdades de Arquitectura da Europa, começam a dar particular importância ao estudo geológico dos terrenos e o seu impacto no ambiente envolvente, do qual fazemos parte. Por este motivo é cada vez mais importante, a par dos estudos citados, um planeamento do território a médio e longo prazo, tendo em conta a alteração de paradigmas, nomeadamente no sector dos transportes, que é já uma realidade.

Carlos Fonseca
(texto publicado com a autorização do autor)
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Etiquetas: cidade, organismo vivo, planeta Terra, visão

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Comissão Europeia responde à carta aberta



Em resposta à nossa carta aberta, a Comissão Europeia enviou o seguinte texto:

Encarrega-me o Sr. Comissário Karmenu Vella de responder à sua mensagem de 7 de Março de 2017 agradecendo o interesse manifestado pelo European Green Capital Award.

Na comunicação acima mencionada refere Guimarães como
European Green Capital 2020. Em primeiro lugar, permita-me clarificar que as deliberações para anunciar o vencedor do título European Green Capital 2019 ainda estão a decorrer e que o convite para apresentação de candidaturas ao título European Green Capital 2020 será apenas lançado no dia 3 de Maio de 2017. A cidade de Guimarães não é uma das 14 cidades candidatas à designação European Green Capital 2019 e na presente data não temos conhecimento de nenhuma intenção de candidatura à designação para 2020, por parte da referida cidade.

O objetivo da designação
European Green Capital (EGC) é premiar uma cidade pelos (1) seus sucessos ao nível de estratégias ambientais, (2) esforços e projetos em curso no mesmo âmbito e (3) a possibilidade de assumir o papel de cidade-modelo para outras cidades que se deparem com problemas semelhantes.

As candidaturas recebidas são avaliadas por um painel independente de especialistas, de acordo com doze critérios indicadores - estando entre estes as zonas verdes urbanas. O relatório final elaborado por este painel é submetido para o júri que cria uma lista restrita de cidades que, posteriormente, serão convidadas a apresentar a sua candidatura antes da decisão final do vencedor da designação
European Green Capital Award.

Infelizmente, nenhuma cidade Europeia pode ser perfeita em todas as áreas. O objetivo deste painel independente de especialistas é selecionar os finalistas cuja performance - de acordo com os doze criterios supra mencionados - melhor se enquadra com a evolução da preocupação ambiental ao abrigo destes critérios.

Pode consultar mais informação sobre o
European Green Capital Award neste endereço: http://ec.europa.eu/environment/europeangreencapital/

Mais informo que tomámos conhecimento da sua preocupação com a construção de um parque de estacionamento com capacidade para 500 veículos na cidade de Guimarães. No entanto, a Comissão Europeia não tem jurisdição sobre o planeamento regional das cidades, pelo que podemos apenas sugerir que prossiga com a sua reclamação junto das autoridades locais responsáveis pelo planeamento.

Caso tenha questões adicionais, por favor contacte Nicole Wanders (nicole.wanderswengler@ec.europa.eu) que é a pessoa responsável pelo projeto European Green Capital.

Com os melhores cumprimentos,

Claudia Fusco


(descarregar carta aberta da Assembleia Popular da Caldeiroa aqui)
(descarregar resposta da Comissão Europeia aqui)

Publicada por Assembleia Popular da Caldeirôa à(s) 18:55
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Etiquetas: carta aberta, comissão europeia, não ao parque de estacionamento camões-caldeiroa

sábado, 1 de abril de 2017

"Dendrolatria e arboricídio"

O artigo que se segue foi publicado por António  Amaro das Neves no blogue Memórias da Araduca, no dia 31 de Março de 2017.
Fica aqui a partilha autorizada do seu texto e o convite para seguirem o seu blogue dedicado às memórias que pertencem à esfera pública de Guimarães.


Quem me ensinou a palavra dendrólatra (o que tem adoração pelas árvores) foi um dos mais notáveis escritores contemporâneos de língua portuguesa, Rubem Fonseca. Numa das crónicas que compilou no volume “O Romance Morreu”, afirma-se “dendrólatra incorrigível” (o texto tem o título “Desventuras de um dendrólatra”, e pode ser lido seguindo a ligação). Já a palavra arboricida (o que mata árvores), aprendia-a ao folhear velhos jornais vimaranenses, onde eram recorrentes as notícias de arboricídios, perpetrados, umas vezes, por mão incógnita, outras pela Câmara. Nos últimos tempos, tem sido dada notícia de mais um arborícidio que se planeia em Guimarães, fazendo desaparecer uma das últimas manchas verdes situadas no interior de quarteirões edificados, que eram uma das imagens de marca de Guimarães, como se depreende, por exemplo, da planta mais antiga da cidade que conhecemos, que é do século XVI. Fica no miolo entre as ruas de Camões, da Caldeiroa e da Liberdade e a viela que liga as duas últimas, onde o betão se prepara para avançar sobre o arvoredo, para construir um parque de estacionamento king size, cuja necessidade custa a entender numa cidade onde, como já vimos, a oferta de aparcamento automóvel satisfaz a procura e ainda sobra.

(E, entretanto, lá vamos todos, unidos e de mãos dadas, cantando hinos, rumo à Cidade Verde Europeia.)


No passado, os vimaranenses não costumavam ficar calados perante a ameaça ou a consumação de arboricídios, como o demonstra o texto que aqui partilho, que João de Meira escreveu e publicou no jornal Independente em 1905.

Destruição de Arvoredo
Milhares e milhares de anos seguidos acreditou a humanidade que em cada árvore existia uma alma.

Alma vaga, indefinida, nebulosa, alma de vegetal flutuando incerta entre a realidade e o sonho na esbatida penumbra das sensações nascentes, mas alma que — como o colosso de Memnon —sorria e cantava aos primeiros raios do sol, alma que gemia e se lamentava aos golpes do machado e às rajadas do vento; alma forte que chorava em gotas viscosas de resina no pinheiro, alma terna que vertia as lágrimas correntes do látex na figueira bendita!

A alma ardente de Adónis gritava numa araucária de Biblos, a alma doce de Átis sussurrava numa amendoeira em flor.

Xerxes, o grande persa, ornava de colares e pedrarias resplandecentes um plátano favorito; nas florestas da Gália os druidas prosternavam-se ante o carvalho sagrado; e ainda hoje, no deserto, junto de mar Cáspio, onde uma única árvore solitária se encontra no transcurso de muitas léguas, o Tártaro que à sua sombra se acolhe não segue sem lhe deixar suspenso dos ramos o tributo da sua gratidão, um pouco dos seus alimentos, um farrapo de vestido e até, quando outros dons escasseiam, uma mecha de cabelos.

O Egípcio, conta a lenda, voltando a casa vergado sob o peso do trabalho e da tirania do Faraó, tinha na árvore doméstica, no sicómoro ou na acácia, a silenciosa confidente das suas mágoas e terrores.

Mas na Europa, depois da Idade Média, a ideia singularmente falsa e soberanamente orgulhosa de que só o homem sente e pensa foi-se lentamente infiltrando nas consciências, que uma errada compreensão do mundo pervertera.

Para todo o sempre se perdeu o belo panteísmo de Francisco de Assis, que via em cada ser — animal, árvore ou mesmo rocha bruta — um irmão, um filho da mesma divindade que lhe dera vida.

O homem começou erguendo contra a árvore uma ímpia mão destruidora. E nunca mais abraçado com ela, como o índio, lhe pediu perdão do corte necessário e imprescindível, antes entrou a derrubá-la sem precisão nem motivo, para dar que fazer a lenhadores ociosos.

Aquele belo e antigo arvoredo que povoava o principal largo da povoação das Taipas, acaba de ser completamente destruído.

Carvalheiras de grande porte, que levaram séculos a formar, e que durante a época de Verão protegiam os banhistas contra os ardores do sol, no seu trânsito para o estabelecimento balnear, foram barbaramente arrancadas.

Aqueles ramos frondosos, ó Camilo Castelo Branco, que te deram sombra ao crânio escandecido e paz ao coração inquieto, no momento mais doloroso da tua vida de torturas, já não existem!

Estão se desfazendo em cinza nalguma lareira sertaneja aquelas árvores ancestrais que celebraste nas páginas imorredoiras das “Memórias de Cárcere”!

*

A quem pertence a responsabilidade deste acto de incompreensível vandalismo?

À Câmara ou somente ao vereador do pelouro?

Seja quem for o responsável, não pode semelhante facto deixar de merecer a mais veemente censura.

Destruir árvores seculares, que davam ao local público, em que existiam, uma nota agradável e pitoresca, e serviam de refrigério nos dias calmosos de Verão aos numerosos forasteiros que ali acodem é mais que um disparate, é uma verdadeira selvajaria.

Que crime negregado haviam cometido, que insuportável mal faziam as pobres carvalhas a cuja frescura amiga era tão doce passear nas calmas estivais ?

Acaso deixaram elas cair irreverentes bolotas sobre a cabeça descoberta de algum edil?

Acaso em toca escura de alguma delas se aninhava irrequieto enxame de besouros que ferroasse o pescoço de algum camarista?

Acaso nas suas raízes nodosas tropeçou e caiu desastradamente um membro do nosso ilustre senado?

Acaso impediam elas que algum indiscreto observador presenciasse o que se passava em casa dos vizinhos do outro lado da alameda.

Que crime, que mal faziam elas?

Diga-o a Câmara e enquanto o não disser ninguém poderá deixar ide reprovar semelhante destruição.

O mal está feito, e não é por isso possível voltar atrás.

Mas ao menos tenha a Câmara mais cuidado de hoje para o futuro, não vamos acordar amanhã com o arvoredo dos nossos largos e ruas arrancado à semelhança do das Taipas.

Depois do que a Câmara progressista de 1899 a 1902 praticou nas árvores do jardim do Toural, tudo se pode esperar, neste sentido, de outra Câmara progressista.

Uma árvore é uma vida. E uma velha árvore merece o respeito que devemos a um homem velho.

O crime que a Câmara cometeu cortando as árvores da alameda das Taipas ficará para sempre assinalando a sua gerência como um atentado contra o bom senso e contra o bom gosto, que não pode ter absolvição ou desculpa.


Independente, Guimarães, 26 de Março de 1905


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Etiquetas: árvores, caldeiroa
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Este blogue foi criado após deliberação na 1ª Assembleia Popular da Caldeirôa para a real protecção do quarteirão Camões-Caldeirôa, em Guimarães.
Esta assembleia popular foi criada espontaneamente e tornou-se ativa após ter sido tornado público o projecto de construção de um parque de estacionamento de 440 lugares que, a ser construído, violará a zona de proteção da área classificada como Património Cultural da Humanidade, destruirá património arqueológico industrial, inviabilizará a zona de Couros de ser classificada, também, como Património Cultural da Humanidade, destruirá uma grande área de solo permeável que é suporte à biodiversidade no centro histórico e expulsará a atividade de produção artística que se iniciou em 2012.

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