sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Manipular o público?

Há cerca de uma semana foi tornado público um vídeo promocional do futuro parque de estacionamento de Camões. Nesse vídeo foram usadas imagens ditas "reais" gravadas por um drone com visão aérea e imagens virtuais produzidas pelos autores do projecto. Em todas as imagens é notória a intenção de manipular o público. Assim, iremos usar frames desse mesmo vídeo para demonstrar essa manipulação, pois procederemos a uma análise crítica das mesmas.

O projecto apresentado pelo arquitecto Raúl Roque, e defendido por Domingos Bragança e Filipe Fontes, na sessão de esclarecimento de 22 de Maio, na Sociedade Martins Sarmento pouco tem a ver com o que é mostrado neste filme. Apenas o sítio e a função são iguais.

É a primeira vez que este vídeo é mostrado, apesar de ser possível que as imagens virtuais do filme já estivessem prontas aquando da sessão de esclarecimento, levando-nos a inferir que não houve coragem para mostrá-lo então. Imaginamos que a razão tenha sido porque sabiam que o projecto do vídeo não é o mesmo projecto que foi apresentado publicamente. Mas porquê mostrá-lo agora, sendo um projecto fantasma? Qual é o propósito de criar esta confusão no público?

Contudo, vamos analisar o filme. Este projecto ignora, entre outras coisas, o património arqueológico industrial que integra os pelames da antiga fábrica de curtumes da Caldeirôa. Não refere que a saída é na travessa da Caldeirôa e afirma haver uma cobertura ajardinada, quando apenas vemos uma placa de betão pintada de verde.


No entanto, este vídeo apresenta elementos visuais novos à discussão pública sobre o projecto. É a primeira vez que temos acesso a imagens aéreas da zona verde que fica a Norte do quarteirão. Essa zona pode ser vista no centro desta primeira imagem como uma grande mancha verde que, desastrosamente, será destruída. Com essa destruição desaparecerá uma zona considerável de solo permeável. Não nos podemos deixar enganar pela cor verde da cobertura do edifício (imagem abaixo).



Esta imagem, sendo visível à direita a rua da Caldeirôa, e ao fundo o largo do Toural e Alameda S. Damaso, mostra-nos não só o resultado do arboricídeo no miolo do quarteirão Camões-Caldeirôa como também se vê a imagem enganadora de um parque de estacionamento ladeado de árvores. É um artifício que os arquitectos e construtores usam regularmente para convencer de que o futuro daquele espaço vai ser ideal, todavia não passa de uma ficção. Tudo à volta pertence a particulares que manterão os logradouros da forma que entenderem. A imagem virtual apresenta os logradouros cheios de árvores e até sem divisórias entre os terrenos. Esta fantasia dá-nos a ideia de que aquele terreno vai ser todo para o público em geral, quando na realidade as pessoas apenas andarão na cobertura do parque de estacionamento, sem sombras e com o cheiro desagradável típico dos parques de estacionamento.

A manipulação visual é mais aguda com as três seguintes imagens. Estes lugradouros pertencem às casas entre os números 31 e 75 da Rua de Camões, portanto, fora da zona a "intervir". Porque usaram estas imagens?







Não acreditamos, aliás, que tenham pedido autorização aos proprietários para filmarem o terreno em visão aérea. A acrescentar, referimos que estas imagens não dignificam os próprios donos dos terrenos e casas. As imagem têm apenas o propósito de enganar. Não é falta de rigor da filmagem, é uma tentativa de manipulação da opinião pública, passando a ideia de que o interior do quarteirão está todo em ruína.

As seguintes imagens mereceram o nosso reparo pelo seu absurdo. As imagens geradas por computador são sempre "irreais". A higiéne demonstrada no vídeo com paredes limpas, espaços iluminados, atmosfera pura e pessoas a passearem tranquilamente será impossível em qualquer parque de estacionamento.



A segunda imagem aparece mais ou menos no primeiro meio minuto do filme. Apresenta-nos uma entrada a partir da Travessa de Camões como se estivessemos a entrar numa catedral. O filme apresenta a relação entre o automóvel e os transeuntes como se fosse harmoniosa. Trata-se de um defeito deste género de filmes. Nas imagens virtuais com pouco rigor técnico tudo nos parece igual: o corpo humano é da mesma matéria que o automóvel, o betão tem a mesma textura que a erva, etc. É a própria linguagem binária que cria estas sensações. Neste caso, nem a imagem virtual consegue disfarçar a possível austeridade que é a entrada de um parque de estacionamento.



A área que vêem à direita, para além do muro, pertence a particulares. Está fora da zona a "intervir". A ironia mais flagrante e mais ignóbil neste frame é que apresenta esta entrada como se fosse um pequeno bosque, mas para a fazerem, terão de demolir dois edifícios do centro histórico e arrancar, só nesta área de 5 metros, várias árvores, nomeadamente, uma grande camélia, uma palmeira, vários loureiros, e outras árvores que ainda precisamos de catalogar.

A seguinte imagem aparece no vídeo aos 2 minutos e 58 segundos e é uma perspectiva esclarecedora do enquadramento do parque no miolo verde do quarteirão. Toda a área que é apresentada com árvores não pertence à CMG e não tem este aspecto de jardim verde contínuo. Os logradouros exteriores à zona a "intervir" não têm tantas árvores. Isto é claramente uma tentativa de criar uma imagem de jardim que não é, nem será, real.



Os logradouros dos particulares têm mais expressão topográfica do que aquela que é demonstrada nesta imagem. Há muitos elementos a destacar como os vários desníveis, muros de separação, hortas e hortelãos e caminhos que atravessavam o interior quarteirão.

Porém destacamos esta imagem por nela estar claramente demonstrado que este projecto apenas traz betão e vários planos austeros pintados a verde. Sabemos que este projecto está inserido no programa de candidatura de Guimarães a Capital Verde Europeia 2020 em que se fomenta a sustentabilidade e biodiversidade, mas esta obra faraónica não serve a nenhum dos conceitos. Aliás, a "cobertura verde" nem para flores servirá.

Em forma de comparação mostramos esta imagem numa outra perspectiva e concluímos que a integração da volumetria dos edifícios existentes é mais "natural" para a cidade. O parque de estacionamento é um bloco de betão descaracterizado que é enterrado no miolo de um centro histórico.




Como é do conhecimento geral, dentro deste quarteirão existe um conjunto de pelames (tanques de curtimenta) que já foram arqueologicamente catalogados. Estes pelames deveriam ser conservados e incluídos na candidatura da zona de Couros a Património Cultural da Humanidade. Com este projecto esse património arqueológico industrial será destruído e porá em causa a própria candidatura, como já apresentamos numa publicação anterior.

O local dos pelames fica sensivelmente entre a parte central dos círculos a vermelho, o caminho pedonal do primeiro plano e o paralelipípedo cinza oco que parece ser uma caixa de escadas.





Planta dos vários tanques
que se encontram no subsolo de uma das fábricas.


Este processo do parque de estacionamento de Camões já provocou a expulsão de pessoas do centro da cidade. Em Novembro de 2016, um casal que vivia há 35 anos neste quarteirão foi expulso para a periferia da cidade.



Entre Outubro de 2016 e Maio de 2017, por pressão conjectural, saíram cinco artistas dos respectivos ateliers que funcionavam numa das fábricas a ser demolida. Na casa que vêm a cinza, mesmo antes da entrada dos carros (imagem acima), vive um casal há 50 anos. Claro que na imagem virtual parece apenas um edifício inerte, como que dispensável. Se o parque de estacionamento for construído as janelas dos quartos dessa casa ficarão ao nível dos faróis dos automóveis, a escassos 2 metros. Será que alguém da CMG apresentou o projecto ao casal que mora nesta casa?


Aspecto do atelier em Novembro de 2017
Fotografia do jornal online Free Pass


Na fábrica, desde Setembro de 2012, já trabalharam muitos artistas. Alguns ficaram apenas meses, e outros tentaram construir o seu mundo com o tempo útil de produção e organização. Actualmente, só trabalham lá dois artistas (também habitam o espaço um gato e uma cadela). Todos os outros saíram, faseadamente, pela pressão desta construção do parque. A enriquecer a dinâmica artística da produção, também existe um espaço de exposições que abriu ao público em Setembro de 2015.



O último plano do filme é muito particular e refuta os defensores do parque de estacionamento. Neste plano vemos um desenho a vermelho definindo a área de intervenção da CMG, e a 100 metros podemos ver três parques de estacionamento praticamente vazios (desenhos elípticos laranja foram feitos por nós). Não vamos falar da capacidade de cada parque porque já o fizemos em publicações anteriores, mas afirmamos que este plano confirma o que temos vindo a dizer há cerca de um ano. Este último plano é muito particular porque a realidade "trai" os produtores deste filme.



A maioria perde se este parque de estacionamento for construído, por isso continuaremos a defender este quarteirão contra a sua morte defendida por poucos. Em jeito de comentário partilhamos uma expressão que foi usada na sessão de esclarecimento por um elemento da CMG: "com o parque de estacionamento vamos criar um espaço público de qualidade". A nossa questão a colocar a esse senhor é se ele prefere passear na cobertura de parques de estacionamento ou se prefere um jardim concreto como este que apresentamos abaixo que é o jardim da Estrela, em Lisboa. Adiantamos que a nossa próxima fase é defender a criação de um parque público de qualidade no centro da cidade com árvores gigantes e que fiquem velhas tão velhas que nenhum dos presentes, actualmente, veja a sua morte.
Ou seja um projecto não para os próximos 20 ou 30 anos como advogam os defensores desta atrocidade ambiental. Mas um legado intemporal para todos os cidadãos presentes e futuros.
Este é o nosso sonho, um sonho para todos e onde podemos todos usufruir de uma vida sadia e feliz, e como diz o poeta "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce."



Abraços,

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

O parecer da ICOMOS deve ser do conhecimento público


Ontem houve trabalhos com maquinaria pesada dentro do quarteirão Camões-Caldeirôa. Estranhamos esta movimentação porque ainda há muitas perguntas fundamentais por responder sobre o projecto do parque de estacionamento delimitado pelas ruas de Camões, Caldeirôa e Liberdade.

Sessão de esclarecimento a 22-05-2017 na S.M.S.
Na mesa estavam, da esquerda para a direita,
Raúl Roque, Domingos Bragança, Alexandra Gesta e Filipe Fontes.
Na sessão de esclarecimento que decorreu na Sociedade Martins Sarmento, no passado dia 22 de Maio foi dito pelo presidente da Câmara Municipal de Guimarães, em funções, que  tinha pedido um parecer à ICOMOS (Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios). Este parecer é relevante pela importância reconhecida desta organização, e porque a zona de construção encontra-se na "zona de protecção" do centro histórico a escassos metros do núcleo classificado de Património Cultural da Humanidade.  Apesar deste parecer não ser vinculativo para determinar se o projecto do parque de estacionamento é executado ou não, ele demonstra se a opção é a indicada para a valorização do património da cidade. 

Nós sabemos que o parecer da ICOMOS já foi enviado à Câmara Municipal de Guimarães, por isso, esperamos que ele seja divulgado publicamente e que possa ser tomado em consideração pela relevância que ele representa.


Entretanto, nas obras que decorreram ontem, foi demolida uma parede de uma das fábricas situada no interior do quarteirão, assim como foi destruído parcialmente um muro de pedra que pertencia a um caminho pedestre que era utilizado por antigos moradores e trabalhadores da Caldeirôa. Este caminho com a largura aproximada de um metro circunda o exterior da fábrica onde se situam os vários tanques da antiga indústria de curtumes. Este não é o único percurso existente, há mais. As pedras retiradas do seu local não foram numeradas o que demonstra que não foi tido em consideração o tipo de zona delicada do ponto de vista arqueológico. 


Aproveitamos esta publicação, também, para avisar os técnicos da CMG que não podem demolir parcialmente ou na totalidade nenhum edifício do interior deste quarteirão sem antes ser vistoriado por uma equipa credenciada pelo ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas). Existem morcegos dentro deste quarteirão e como foi anunciado neste blogue, os abrigos de morcegos são protegidos por lei (Decreto 31/95 de 18 de Agosto).