segunda-feira, 8 de maio de 2017

Texto sobre O Sol



O Sol Aceita a Pele Para Ficar é uma galeria adjacente a vários ateliers de artistas numa fábrica desactivada, que a curto prazo será possivelmente demolida e substituída por um parque de estacionamento para mais de 500 carros. O Sol Aceita a Pele Para Ficar nasceu do atelier do Max e da Filipa, da poesia do João Almeida, das e dos artistas que nele colaboram e dos amigos que acreditam na produção independente dos artistas.

O nome da galeria O Sol Aceita a Pele Para Ficar é um excerto de um verso do poema A7, do livro O Mal dos Postes de Alta Tensão (2000), do poeta e artista João Almeida. Neste livro, o João imaginou e organizou os seus poemas como instalações, algumas de realidade vivida. Entre as paisagens de “deserto hostil e frio” onde “o vento é boi frio na nuca” e “os velhos têm esporos brancos no pescoço / tubos de policloreto arqueiam o dorso reluzente sob a terra” surge a imagem “o sol aceita a pele para ficar” – metafísica ou talvez ante-física que o autor diz não saber como lhe surgiu. Esta alteração de sentido transforma uma verdade científica numa verdade poética. Na verdade científica, a luz do Sol aceita qualquer matéria para “ficar” apesar de não precisar de matéria para se deslocar. Tal como metáfora ao próprio espaço de exposição.

O Sol Aceita a Pele Para Ficar abriu ao público em Setembro de 2015. É gerida e suportada por Max Fernandes e Filipa Araújo. Já organizaram em conjunto com várias e vários artistas exposições (vide este sítio da internet: http://www.osolaceitaapeleparaficar.com). O aparecimento desta galeria surge por impulso. O interior da fábrica é aberto, espaçoso e luminoso, com luz filtrada por painéis de fibra de vidro e janelas de vidro martelado. Era convidativo organizar exposições em formato de experiência naquele espaço, ao lado dos locais de produção. Organizar e montar uma instalação/exposição ao lado dos ateliers ajuda na montagem, não só porque existe material acumulado e instrumentos de trabalho ali ao lado, mas também porque o atelier é um espaço onde, por norma, há experimentação e pensamento.

Claro que também é atractivo usar um espaço, que é uma fábrica desactivada, para este tipo de actividade. E a atracção surge do cadastro do edifício e das vielas em redor. Ele já terá sido ocupado por muita gente. Operárias e operários, administradores e patrões que mantinham a máquina de produção em actividade. A fábrica foi ocupada durante décadas e encontra-se numa área da cidade que teve como actividade industrial, primeiro de couros, e depois de têxteis. Não é um espaço virgem. É um espaço que foi vivenciado rotineiramente. E é a partir dessa antiga vivência, pública, de certa forma, que o espaço vive actualmente. No entanto, o Sol Aceita a Pele Para Ficar é um espaço do tempo presente, do agora. É um espaço que trabalha no meio da crise actual. Por paradoxo, ele mesmo, através dos artistas envolvidos, tornou-se parte dessa crise. A pressão de um hipotético fim, ao mesmo tempo que a revitalização da ideia de necessidade de existência demonstram esta crise como amadurecimento ao invés da sua destruição.

Na fábrica, desde Setembro de 2012, já trabalharam muitos artistas. Alguns ficaram apenas meses, e outros tentaram construir o seu mundo com o tempo útil de produção e organização. Actualmente, só trabalham lá dois artistas (também habitam o espaço um gato e uma cadela). Todos os outros saíram, faseadamente, pela pressão desta construção do parque.

A resistência, com a criação de grupos de contestação, alimenta-se da intuição de que a expropriação não significa destruição. Há já algum tempo que são organizadas as Assembleias Populares da Caldeiroa e abertos os ateliers e galeria O Sol Aceita a Pele Para Ficar ao exterior. Essa resistência prende-se também por aspectos legais e pragmáticos inerentes à situação: o aluguer do espaço é precário; não existe contrato, por isso, o executivo camarário, promotor desta obra, não reconheceu o trabalho nem os artistas como parte interessada no processo de expropriação. Foi no limiar da tomada de posse administrativa do edifício, a 11 de Abril de 2017, que os artistas, visto que os recibos da renda paga pelo espaço são prova legal do arrendamento, enviaram um fax ao expropriante no qual constava a sua oposição “à tomada de posse administrativa deste edifício, por parte da Câmara Municipal de Guimarães, porque somos inquilinos e não fomos notificados nem ouvidos no processo de expropriação”.

Neste momento, O Sol Aceita a Pele Para Ficar, perante o silêncio ensurdecedor do expropriante, mantem-se activo, pois, há mais duas exposições programadas e agendadas para os próximos meses.

Canto, Ilhas e Cenas, de Margarita del Carmen
20.11 - 20.12.2015